Em um depoimento que escancarou a politização das forças de segurança durante as eleições presidenciais de 2022, o ex-coordenador-geral de operações da Polícia Rodoviária Federal (PRF), Fernando Oliveira, confirmou nesta segunda-feira (20) que houve, sim, uma operação deliberada para dificultar o acesso de eleitores aos locais de votação, especialmente no Nordeste.
A declaração foi prestada à Corregedoria-Geral da PRF no âmbito de uma investigação interna, mas seus efeitos prometem ecoar com força no cenário político e judicial. O plano, segundo Oliveira, foi elaborado sob ordens da cúpula da PRF à época, em articulação com aliados do então presidente Jair Bolsonaro, com foco em regiões onde Lula liderava com folga nas intenções de voto.
A operação “democracia sob suspeita”
Conforme o depoente, as ações incluíam a intensificação de blitzes em rodovias de estados nordestinos na manhã e tarde do segundo turno, com viaturas mobilizadas para abordagens que geraram atrasos e, em alguns casos, impediram que eleitores chegassem a tempo às urnas.
“Era de conhecimento da alta gestão que essas ações tinham o objetivo de dificultar o transporte de eleitores em determinadas localidades”, disse Oliveira, que agora colabora com as investigações internas para obter benefícios legais.
Ainda segundo ele, houve reuniões prévias com objetivos claramente eleitorais e fora do escopo técnico da corporação. “Foi criada uma diretriz informal para barrar ônibus de eleitores, especialmente nos estados do Nordeste, sob o argumento de fiscalização de transporte irregular”, revelou.
Repercussão e responsabilização
As revelações geraram reações imediatas. Parlamentares da base governista pediram o aprofundamento das investigações e o indiciamento dos envolvidos, incluindo o ex-diretor-geral da PRF, Silvinei Vasques, que já era alvo de apurações no Supremo Tribunal Federal (STF) e da Polícia Federal por abuso de autoridade.
Para o senador Randolfe Rodrigues (sem partido-AP), líder do governo no Congresso, trata-se de “um dos episódios mais graves de ataque à democracia desde a redemocratização do país”. O Ministério Público Federal também solicitou cópias integrais do depoimento e deve acionar judicialmente os envolvidos.
Herança do bolsonarismo e o futuro das instituições
O caso relança o debate sobre o uso político de instituições de Estado durante governos autoritários. A PRF, que tem como missão garantir a segurança viária, foi acusada de agir como uma milícia eleitoral em 2022. As acusações reforçam a urgência de blindar as instituições contra interferências partidárias.
Enquanto isso, a oposição ensaia um silêncio constrangedor — nenhum grande nome ligado ao bolsonarismo se pronunciou até agora. O que se vê é uma tentativa de desvincular os fatos do ex-presidente, ainda que os indícios apontem para cima.
Se as revelações forem confirmadas por outras investigações, o episódio pode se tornar peça-chave na consolidação da tese de abuso de poder político e uso da máquina pública, com consequências que vão desde cassações até inelegibilidades.