De Brasília para o Sofá: Collor escapa da cela, mas não da tornozeleira

A trajetória política de Fernando Collor de Mello sempre teve ares de roteiro cinematográfico: ascensão meteórica, queda estrondosa, redenção nas urnas e, agora, mais uma reviravolta digna de drama político brasileiro. O ex-presidente, condenado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) a 8 anos e 10 meses de prisão por corrupção passiva e lavagem de dinheiro, foi autorizado, nesta semana, a cumprir a pena em prisão domiciliar. O despacho partiu do ministro Edson Fachin, relator do processo da Lava Jato na Corte.

O argumento central da defesa de Collor é um clássico: problemas de saúde. De acordo com os advogados, o ex-presidente de 74 anos sofre de condições médicas que exigem acompanhamento constante e infraestrutura que, convenhamos, dificilmente se encontra entre grades e colchões mofados do sistema penitenciário brasileiro. Fachin acatou o pedido alegando razões humanitárias — e porque, segundo ele, ainda há pendências processuais a serem resolvidas antes do início da execução da pena em regime fechado.

Com isso, Collor poderá cumprir a condenação em sua residência luxuosa em Maceió, sob monitoramento eletrônico. Ou seja, um tornozeleiraço de alta classe. A cena evoca a peculiar justiça tropical onde a diferença entre o xilindró e o sofá de casa, às vezes, cabe numa assinatura digital.

A condenação de Collor, vale lembrar, refere-se ao período entre 2010 e 2014, quando ele exercia mandato de senador. Segundo o Ministério Público Federal, Collor teria recebido mais de R$ 20 milhões em propina para facilitar contratos da BR Distribuidora, subsidiária da Petrobras. Um déjà vu jurídico para um político que já conhece o sabor amargo das manchetes.

A decisão pela prisão domiciliar reacendeu o debate público sobre os privilégios reservados à elite política brasileira. Enquanto milhares de brasileiros mofam em cadeias superlotadas sem julgamento, um ex-presidente condenado por corrupção se acomoda entre almofadas bordadas e café coado na prensa francesa. Justo? Legalmente, talvez. Moralmente, um tapa de luva — de pelica, claro.

Críticos apontam que a medida reforça o sentimento de impunidade entre as figuras públicas condenadas por corrupção. A simbologia é clara: o homem que renunciou à presidência em 1992 para escapar de um impeachment agora se vê novamente amparado pelas brechas do sistema que um dia prometeu modernizar.

Por outro lado, aliados e membros do núcleo duro de Collor veem a decisão como uma medida justa e proporcional à sua idade e condições clínicas. Uma espécie de “justiça com compaixão”, se é que isso ainda existe no Brasil de 2025 — onde a linha entre compaixão e conveniência continua sendo tão tênue quanto a memória popular sobre quem realmente pagou pelos grandes escândalos.

No fim, Fernando Collor segue fazendo história — não exatamente como estadista, mas como símbolo de um país onde, com um bom advogado, até o cárcere pode ser cinco estrelas.

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